O Mergulho Louco

Meninas, olha que afetação linda! Estou por aqui tão descrente de certas coisas que nem consegui mobilizar desejos-escreventes sobre a Parada, que aconteceu no último sábado. Mas foi lindo, e me incluo aí na categoria "as pessoas dançavam", encantada. Pena que passa, ou pena que deixamos passar, engolidos pelas estranhezas da gestão...


Chovia e fazia sol na Barra, e por acaso era sábado.
A guitarra sonora fazia Raul renascer das sombras.
Em meio a tantas palavras-verdades ideológicas,
as pessoas dançavam, e a loucura era apenas um detalhe,
mas um detalhe barroco, rococó, cheio de voltas e reviravoltas.
Carlos me procura e diz:
- Doutor, preciso dar uma cagada, é urgente, me leve até a praia.
Movido por alguma noção-dejeto da medicina higienista,
aconselhei Carlos a usar o banheiro do bar.
Enquanto isso, a sombra crescia no palco, e a loucura, na rua.
De repente, a dona do bar me chama para reclamar sobre o
estrago no banheiro. Me lembrei do Anti-édipo... isso come, isso fala, isso bebe, isso fode, isso caga, que erro ter dito isso...rs
mas a movimentação do ambiente só me permitia seguir.
Então, Fabiano me disse:
- Pô, doutor, tô louco pra mergulhar no mar.
Ainda resolvendo a pendenga da cagada no bar, respondi:
- Calma aí, no farol a gente vai ao mar.
Mas Fabiano insistiu:
- Pôxa, quero botar meu corpo no mar.
No farol, o povo dançava com mais alegria, se ouvia algumas palavras de ordem
do pessoal da Set, que impeliu o aglomerado a ficar no inclinado do farol para não criar desordem no trânsito, afinal, convenhamos, o trânsito é uma loucura.
A sombra se pôs, o raciocínio ficou lento e Mariene evocou bênçãos a Iemanjá e Oxum.
Nem demorou, o som acabou... e todos para o ônibus, acabou a viagem.
De volta ao mundo real... e a realidade da grade invade o que sobrou.
Alguém diz:
- E, Fabiano, alguém viu Fabiano?
Fabiano foi visto pela última vez pulando sobre as pedras do cristo.
(Tem certas horas que a gente pensa que realmente só cristo salva...rs)
Mas Fabiano se fez pedra, se fez Pedro, e construiu um novo mundo.
E todos se perguntavam:
- Cadê Fabiano?
Talvez ele tenha sido seduzido pelo canto da sereia-vida,
ou quem sabe não resistiu ao chamado do mar-deserto, que sempre toca
algum desejo nômade.
De pedra em pedra Fabiano se fez poesia, ou simplesmente “deu mola”,
e, assim, foi mais “anti-manicomial” que o coletivo.
Ele simplesmente foi - sem dizer palavra - um puro ato singular,
virou passarinho, tá por aí... só asa voante, com todas as possibilidades e
os riscos que isso implica.
Uma vez flamingo, flamingo até morrer.

(Wagner Ferraz - psicólogo do Hospital Juliano Moreira)

3 comentários:

lucelia zamborlini disse...

uau!

Dona da Vida disse...

dizem que sou louco
por pensar assim
mais louco é quem me diz
que não é feliz...
feliz

Kate disse...

mas vida assim quem sabe eu fui feliz...