Senhores,
As leis e os costumes vos concedem o direito de medir o espírito. Essa jurisdição soberana e temível é exercida com vossa razão. Deixai-nos rir. A credulidade dos povos civilizados, dos sábios, dos governos, adorna a psiquiatria de não sei que luzes sobrenaturais. O processo de vossa profissão já recebeu seu veredito. Não pretendemos discutir aqui o valor da vossa ciência nem a duvidosa existência das doenças mentais. Mas para cada cem supostas patogenias nas quais se desencadeiam a confusão da matéria e do espírito, para cada cem classificações das quais as mais vagas ainda são as mais aproveitáveis, quantas são as tentativas nobres de chegar ao mundo onde vivem tanto dos seus prisioneiros?
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Gostaria de ter postado este texto semana passada, quando, em todo o país, em função das comemorações dos vinte anos de Luta Antimanicomial, vários eventos estavam sendo realizados na tentativa de colocar em pauta as questões referentes à loucura, principalmente a necessidade de reavaliarmos nosso imaginário historicamente construído em torno do encarceramento e da exclusão da diferença. Mas o estado da Bahia passa por dias nebulosos, um período triste de desmonte de uma política para a saúde mental atrelada aos princípios da reforma psiquiátrica, o que nos leva a todos a perceber o tanto de perversidade que pode envolver certas decisões políticas e o quanto o poder instituído pode financiar a doença, acreditando (wow!) no contrário. Pena!
Este é um trecho de uma linda carta escrita por A. Artaud nos anos de 1930, destinada aos “Médicos-chefe dos Manicômios” num de seus períodos de internamento, que durou cerca de dez!! anos. Um 'maldito', que apesar, ou em função da dor, se salvou pela arte, pela irreverência, pela capacidade de exigir o direito ao riso, mesmo frente à bestialidade e limitação humanas. Um suicidado, mais um “suicidado pela sociedade” (outro texto seu, premiado e belíssimo, dedicado a Van Gogh) ...usurpado em sua dignidade e de anos de liberdade, pela legitimidade que demos, durante mais de um século, ao saber-poder psiquiátrico e a seu corporativismo.
Corporativismo que tem tentado minar em todo o mundo os movimentos pela Reforma, no jogo de manutenção do financiamento e institucionalização da loucura por intermédio deste escoador de recursos financeiros que são os manicômios.
Deixo aqui também minha irreverência e minha saudação a todos que estiveram na rua, no dia 18 de maio, e por todo este mês, celebrando a vida e a alegria!
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10 comentários:
Mto bom o texto!Há mto que se fazer ainda e somos poucos a tentar!
bjs
Monica, o texto ficou muito bom e a luta continua. Inclusive, a luta da potência contra o esvaziamento, dos acertos contra os erro, da auto-confiança contra o auto- boicote, do amor e da perda.
Como já disse a Liquida: Vivemos porque insistimos! E seguimos mancando...
Bjs.
Anica, foi uma simples mancada, como tantas que damos pela vida.
Você fez tudo certo, eu é que coloquei meu eu na frente por saudades de você e desejo de passar muitas horas e dias e semanas ao seu lado.
Mas haverá outras chences.
O tom de reclamação não passa mesmo de um grave, um sopro de gravidade, e é só isso. Um sopro.
Você sabe que meu coração é leve com você e não há nada que possa acontecer, pelo menos que me ocorra no momento, para me fazer ficar de mal contigo. Vamos ficar de bom, é muito melhor.
Mil beijos e curiosidade pairando.
Precisamos conversar.
Na insistência chegaremos a algum lugar. Importa aonde?
NA INSISTÊNCIA CHEGAREMOS A ALGUM LUGAR. IMPORTA AONDE???
Kás, leio isso com o coração na mão, não por tristeza, mas por anseio. Anseio por transbordamento. Ontem dei uma aula sobre ética usando o velho e sempre atual texto do Roberto Machado sobre a genealogia da moral do Nietzsche. A curiosidade e os olhos arregalados dos alunos é sempre um presente prazeroso e um combustível. Mas será que isso ainda é o suficiente? O que fazemos conosco e o quanto nosso corpo sustenta e suporta nossas escolhas e o quanto de ética inscrevemos neste corpo e nestas escolhas é sempre e no final das contas a pergunta que vale a pena ser feita.
O último delírio é meter a mochila nas costas e ir...simplesmente e sem olhar pra trás... QUERES AINDA E UMA QUANTIDADE INUMERÁVEL DE VEZES? Esta aranha e esta lua entre o arvoredo e também este instante e eu mesmo...QUERES...?
bj
venham todas para cá. de mochila ou salto agulha.
QUERO!
e a vontade da mochila e a sensação de excesso e peso são cada dia maiores. vontade de dar tudo, ficar só com meus livros e sumir na estrada.
mas há a famiglia...
mas há vocês!
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